quarta-feira, 5 de setembro de 2012




PÓRTICOS DO DESEMPREGO



Regressei há dias de férias. Por enquanto, ainda faço parte do grupo privilegiado cujas férias têm fim. (Há quem tenha “férias” intermináveis e não saiba o que fazer à vida…) Foi um mês de contenção, pois entre os trabalhadores deste país pertenço ao número daqueles que deixaram de ter ordenado dobrado no Verão. Não fosse a recente decisão do Tribunal Constitucional – e até pareceria que os únicos beneficiários do regabofe despesista dos últimos governos haviam sido os funcionários públicos, entre os quais orgulhosamente me incluo…
Dos poucos passeios que o orçamento familiar permitiu, trouxe na memória a rapidez com que agora se circula nas auto-estradas. É uma maravilha…, fatal, da nossa idade. Sem dinheiro para o combustível, poucos se aventuram a sair da toca, num tempo de enganos em que a “conjuntura internacional” é pretexto para aumentar desmesuradamente a gasolina e o gasóleo, mas já não serve para baixar os seus preços.
Nem só o preço do alimento fóssil aumentou, contudo, a velocidade de circulação nas vias rápidas. Agora temos sobre auto-estradas uns objectos metálicos novos e algo estranhos, chamados “pórticos”, que permitem a circulação vertiginosa, sem paragens para pagamento, sem a chatice da saudação a um portageiro. (Serão pórticos do paraíso ou do inferno?) Curiosamente, também nas portagens antigas o elemento humano está em vias de extinção. Aí temos ainda de parar, mas já não damos os “bons dias” a um simpático (ou antipático) cidadão. Temos de lidar, apenas, com uma maquineta que recolhe o carcanhol e agradece com uma voz metálica, gravada.
Não contesto a justiça do princípio do “utilizador-pagador” nas auto-estradas portuguesas, desde que existam vias alternativas onde se circule com segurança. Revolta-me contudo que o acréscimo de lucro das concessionárias não se traduza num retorno social justo, através da criação de um maior número de postos de trabalho. Pagaria a portagem com muito menor azedume se soubesse que esse dinheiro contribuiria para o emprego de um portageiro com família.
Nós, contudo, não estamos livres de culpas nesta substituição do homem pela máquina – com consequente aumento do desemprego –, pois deixamo-nos enganar pelos ardis de um capitalismo desumanizante e esclavagista, quando cedemos ao comodismo e à preguiça. Sempre que usamos uma máquina para a execução de uma tarefa que poderia ser feita por um semelhante nosso, com a devida remuneração, estamos a contribuir para o despedimento de trabalhadores úteis, em idade activa. Se compramos em lojas “on-line” estamos a fechar locais de comércio com rosto, se praticamos todas as operações bancárias no “multibanco” ou na “internet” estamos a despedir pessoas com que nos cruzamos todos os dias. São apenas dois exemplos.
O desemprego não é apenas um problema dos indivíduos afectados por uma rasteira da vida. É um terramoto social que, mais cedo ou mais tarde, provocará convulsões sociais seríssimas. Sempre que contribuímos para a substituição do homem pela máquina estamos a trabalhar ao lado daqueles que desejam a substituição de seres livres por seres escravizados (e, já agora, alienados por uma boca dose de trampa televisiva).

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