A DIFERENÇA
Sempre que estou na minha aldeia
de Carreiras, situada a poucos quilómetros de Castelo de Vide e a curta
distância da fronteira de Portugal com a Extremadura espanhola, aproveito para
dar umas voltas por terras de contrabando, assegurando-me de que as diferenças
entre povos dos dois lados são diminutas perante o muito que culturalmente nos
une. Não vou lá fazer compras – e, se as faço, é por acaso e não por acto
deliberado. Sou, aliás, uma pessoa pouco consumista – o que nestes tempos me
vem dando jeito, embora a penúria em que vivemos me obrigue a uma selecção
apertada do único bem que avidamente consumo: os livros (que não dispenso).
Verdade seja dita que o aperto até tem tido aspectos positivos. Desde que a
crise se instalou, muito menos lixo editorial tem entrado na minha casa.
Num dos pequenos passeios que dei
nas férias de 2012, deparei-me com uma pequena cidade espanhola pejada de
pequeno comércio. Pelas ruas, o chamado “comércio tradicional” – passada a hora
da “siesta” – fervilhava de consumidores que, conversando, entravam e saíam das
lojas, transportando sacos de compras. E nem sequer faziam distinção entre
aquelas que têm um ar modernaço e as outras que, com modéstia, continuam a
mostrar uma face que nos faz lembrar tempos passados.
O cenário contrário me assalta na
minha cidade de Portalegre e noutras (muitas) localidades portuguesas. Aí, passo
por “ruas de comércio” onde pouco mais resta do que o olhar deprimido e
suplicante de comerciantes e empregados, fitando o nada e o vazio, ou seja, a
ausência de clientes. As lojas das cidades lusas são muito diferentes das que
abrem portas do outro lado da fronteira? Não me parece. E os preços? Também
não… nem tanto.
Notei contudo uma diferença
abissal entre as povoações. Enquanto na cidade espanhola não vi aberto ao
público consumidor qualquer centro comercial ou hipermercado, por cá eles são
presença constante e infestante. Rara é a terra portuguesa com mais de três ou
quatro mil habitantes que não tem um ou mais. Houve até autarcas com traços de
estupidez, de loucura ou de malvadez que aprovaram a construção de vários
estabelecimentos de grande superfície, uns aos lado dos outros. Com convicção
bacoca (ou não), justificaram a sua anuência com o argumento de que, assim,
nasceria “desenvolvimento” nas suas terras. Esqueceram (ou não) que, deste
modo, apenas promoviam a penúria e a desertificação no coração das suas cidades
e na vida dos seus concidadãos – trazendo Golias para dentro da casa de Davides
necessariamente mais fracos e sem instrumentos eficazes de combate. Junte-se a
este acto a permissão para a abertura de três ou quatro lojas de quinquilharia
chinesa e tivemos o veneno instalado e a morte anunciada.
E nós, portugueses, vamos na
onda… Cada vez mais acéfalos, cada vez mais egoístas, cada vez mais palradores,
cada vez mais mesquinhos, sem percebermos as consequências dos nossos actos,
vamos gastando os últimos tostões nos hipermercados ou nas lojas onde se vendem
sempre os mesmos artigos orientais, baratos mas de fancaria… Eleitores e
eleitos, consumidores e comerciantes, todos somos portugueses e responsáveis,
uns por omissão e outros por acção, pelo ponto a que chegou o nosso país.
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