PÓRTICOS DO DESEMPREGO
Regressei há dias de férias. Por
enquanto, ainda faço parte do grupo privilegiado cujas férias têm fim. (Há quem
tenha “férias” intermináveis e não saiba o que fazer à vida…) Foi um mês de
contenção, pois entre os trabalhadores deste país pertenço ao número daqueles
que deixaram de ter ordenado dobrado no Verão. Não fosse a recente decisão do
Tribunal Constitucional – e até pareceria que os únicos beneficiários do
regabofe despesista dos últimos governos haviam sido os funcionários públicos,
entre os quais orgulhosamente me incluo…
Dos poucos passeios que o
orçamento familiar permitiu, trouxe na memória a rapidez com que agora se
circula nas auto-estradas. É uma maravilha…, fatal, da nossa idade. Sem
dinheiro para o combustível, poucos se aventuram a sair da toca, num tempo de
enganos em que a “conjuntura internacional” é pretexto para aumentar
desmesuradamente a gasolina e o gasóleo, mas já não serve para baixar os seus
preços.
Nem só o preço do alimento fóssil
aumentou, contudo, a velocidade de circulação nas vias rápidas. Agora temos
sobre auto-estradas uns objectos metálicos novos e algo estranhos, chamados
“pórticos”, que permitem a circulação vertiginosa, sem paragens para pagamento,
sem a chatice da saudação a um portageiro. (Serão pórticos do paraíso ou do
inferno?) Curiosamente, também nas portagens antigas o elemento humano está em
vias de extinção. Aí temos ainda de parar, mas já não damos os “bons dias” a um
simpático (ou antipático) cidadão. Temos de lidar, apenas, com uma maquineta
que recolhe o carcanhol e agradece com uma voz metálica, gravada.
Não contesto a justiça do
princípio do “utilizador-pagador” nas auto-estradas portuguesas, desde que
existam vias alternativas onde se circule com segurança. Revolta-me contudo que
o acréscimo de lucro das concessionárias não se traduza num retorno social
justo, através da criação de um maior número de postos de trabalho. Pagaria a
portagem com muito menor azedume se soubesse que esse dinheiro contribuiria
para o emprego de um portageiro com família.
Nós, contudo, não estamos livres
de culpas nesta substituição do homem pela máquina – com consequente aumento do
desemprego –, pois deixamo-nos enganar pelos ardis de um capitalismo
desumanizante e esclavagista, quando cedemos ao comodismo e à preguiça. Sempre
que usamos uma máquina para a execução de uma tarefa que poderia ser feita por
um semelhante nosso, com a devida remuneração, estamos a contribuir para o
despedimento de trabalhadores úteis, em idade activa. Se compramos em lojas
“on-line” estamos a fechar locais de comércio com rosto, se praticamos todas as
operações bancárias no “multibanco” ou na “internet” estamos a despedir pessoas
com que nos cruzamos todos os dias. São apenas dois exemplos.
O desemprego não é apenas um
problema dos indivíduos afectados por uma rasteira da vida. É um terramoto
social que, mais cedo ou mais tarde, provocará convulsões sociais seríssimas.
Sempre que contribuímos para a substituição do homem pela máquina estamos a
trabalhar ao lado daqueles que desejam a substituição de seres livres por seres
escravizados (e, já agora, alienados por uma boca dose de trampa televisiva).
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