QUATRO PERGUNTAS
Li há
pouco tempo um texto que é oportuno partilhar. A tradução é minha, dado que o
original foi escrito num castelhano do século XVI:
“Que se pode comprar com este dinheiro que
desejamos? Será coisa valiosa? Será coisa durável? Queremo-lo para quê? Negro
descanso se procura, que tão caro custa. Muitas vezes se procura com ele o
inferno e se compra fogo perdurável e penas sem fim. Se todos o atirassem à
terra, sem dele querer saber, que concertado andaria o mundo, sem canseiras!
Com que amizade nos trataríamos todos se acabasse o desejo de honrarias e
dinheiro. Tenho para mim que tudo se remediaria.”
Parece
ofensivo falar deste modo, ir buscar um texto como este, nos tempos que fogem
(já não correm, fogem). Parece falta de respeito por aqueles que, nestes dias,
passam fome e muito mais – ou, pelo menos, vivem apertados nos seus cada vez
mais esqueléticos orçamentos familiares. E, no entanto, as quatro perguntas
sobre o dinheiro martelam no cérebro: – Que se pode comprar com ele? – Serão
coisas com real valor? – Serão duráveis? – Para que o queremos? (Será bom
meditarmos nelas.)
No
parágrafo transcrito, repare-se, não se discutem as facilidades concedidas pelo
uso do dinheiro como meio simbólico nas transacções comerciais – e muito menos
se põe em causa o direito de cada um ter uma retribuição justa pelo seu
trabalho desempenhado com zelo e competência. Põe em causa, sim, a colocação do
dinheiro no centro da existência humana, destruindo a capacidade de os membros
da nossa espécie se moverem em direcção à verdadeira vida, isto é, em direcção
a uma vivência espiritualmente superior (uma super-vivência ou sobre-vivência).
Sei bem
que é loucura falar disto. A televisão, os concursos estúpidos e/ou
estupidificantes, a revistas cor-de-rosa, a inveja e a cobiça – tão habilmente
manipulados pelo “marketing” empresarial, em várias décadas de bombardeamento e
lavagem ao cérebro – já destruíram na maior parte dos nossos semelhantes
qualquer aspiração que vá além dos desejos de dinheiro (adquirido sem esforço),
de honrarias (merecidas ou não), de sucesso social e financeiro, de um poder de
compra que leve à aquisição de bens que nunca nos tornarão melhores seres
humanos (mas, com frequência, nos põem à porta de instintos animalescos). Falar
numa existência digna – em que da satisfação das necessidades básicas (na
alimentação, na habitação, na locomoção, na saúde e na educação) se passe a uma
vivência mais elevada – é falar em algo de bizarro!
E, no
entanto, todos precisamos dessa forma de vida. Talvez por não termos ainda
tomado consciência de que a meta a alcançar se situa nesse lugar alto, andamos
angustiados, às vezes desesperados, pois esta crise, sendo financeira e
económica, constitui sobretudo um abanão que nos obriga a ver o engano em que
caímos, em que fomos caindo – ou, melhor, o abismo para onde nos atiraram. Ao
não queremos ver, fechamos os olhos e tornamo-nos vulneráveis, sujeitos a
perecer frente a qualquer perigo. A maioria da humanidade deseja enriquecer por
fora, quando precisa apenas do essencial e, depois dele, de um enriquecimento
interior, de algo que preencha o vazio existencial que caracteriza a nossa
sociedade.
Há
muitas receitas para lá chegar. Cada um terá a sua, terá de construí-la. A
autora do parágrafo com que iniciei este texto propôs a sua. Chamou-se Teresa
de Ahumada e é conhecida em todo o mundo como Santa Teresa de Jesus ou de
Ávila. Dizem assim os seus versos:
“Nada te turve / Nada te espante / Tudo
acontece / Deus não se muda / Com paciência / Tudo se alcança / Quem a Deus tem
/ Nada lhe falta / Só Deus basta.”
Ruy Ventura
"Santa Teresa de Jesus", escultura em madeira do século XVIII (Museu Municipal de Portalegre) |
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