BORGAS E BALDAS
Faz agora um ano que me vi obrigado, por dever familiar, a assistir à “bênção das pastas” celebrada no relvado da Cidade Universitária de Lisboa pelo cardeal-patriarca D. José da Cruz Policarpo. Jurei que nunca mais lá porei os pés. Nem celebração, nem bênção, nem qualquer coisa definida me pareceu tal aglomeração da espécie humana. Missa terá sido, mas para poucos, pois noventa por cento virou-lhe as costas. Festa, talvez, na ingenuidade de quem deita foguetes antes de ter direito à alegria da concretização e de quem esquece, por momentos, que aquele dia não é um fim, mas um começo. Tive a certeza de que a maior parte dos assistentes preferiria estar no mesmo local, mas a assistir a um concerto de certo cantor brejeiro do norte de Portugal, enfrascando umas imperiais e fumando uns charros…
Confrontando-me
com este cenário, recordei com irónica nostalgia a letra de um "hino do
estudante" que os alunos da Escola Superior de Educação de Portalegre
costumam entoar: "Os pontos requerem estudo,/ mas tu não estás nessa
onda,/ tu só queres é café, é café, é vadiagem.../ É vadiagem pela noite e
muitas baldas pelo dia,/ o estudo aperta e o curso é uma utopia."
Não
sei se noutras instituições do Ensino Superior os estudantes costumam cantar
pérolas deste quilate. Não tenho, contudo, grandes dúvidas ao afirmar que o
"espírito académico" apresentado pela letra é comum a uma
grande percentagem dos alunos das nossas universidades e institutos
politécnicos.
Vindos
de um clima laxista que se instalou no sistema educativo português, muitos dos jovens
que entram no Ensino Superior desejam apenas serem "estudantes",
sem vontade alguma de estudarem. Sabe que o estudo é sinónimo de esforço e
exigência – realidades a que não querem adaptar-se, vindos de doze anos de
escolaridade em que podem ter "empinado" conteúdos, mas pouco
trabalharam para terem um pensamento crítico e informado sobre o mundo que os
rodeia.
Chamar-me-ão
pessimista – mas basta lermos com uma atenção mínima as estatísticas que por aí
pululam para chegarmos a estas conclusões. Junto a esta leitura a experiência
que guardo dos anos que leccionei no Ensino Superior, recheada de exemplos de
alunos cujo único objectivo era a aquisição do "canudo" com o mínimo
trabalho - pois à frente da aquisição de um conhecimento enraizado estava
sempre uma outra meta: viver a "vida académica"... E qualquer
pessoa conhecedora do significado desta expressão sabe quais são os seus
sinónimos: "vadiagem pela noite e muitas baldas pelo dia",
como diz a letra acima citada, quantas e quantas vezes com álcool (e outras
substâncias) à mistura.
Não
tomo a nuvem por Juno. Sei que existem milhares de alunos nas nossas
universidades e institutos que se esforçam por aprender e enriquecer os seus
conhecimentos. De igual modo, o conhecimento que tenho de algumas instituições leva-me
a dizer que as baldas e as borgas dos estudantes são apenas um elemento da face
negra da sua existência; há que considerar também a contratação duvidosa de
professores, a gestão clientelar de alguns departamentos na elaboração dos currículos
dos cursos e na planificação pedagógica das disciplinas. Mas a realidade é o
que é e basta conviver uns tempos numa dessas comunidades universitárias para
observar comportamentos que confirmam quanto digo (e não sou o único a
dizê-lo).
Neste
âmbito, nunca esquecerei a frase dita há alguns anos por uma amiga minha,
portuguesa que então estudava na Universidade de Paris-Nanterre: "Mas
esta gente anda na universidade para estudar ou para passar o tempo em bares,
em discotecas, em concertos de música pimba, em desfiles e em carnavais?".
Ruy Ventura
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